C A H E R J

C A H E R J
Capelania Evangélica do Rio de Janeiro

domingo, 18 de setembro de 2011

AS ORIGENS DA MEDICINA PALIATIVA

Coletânea de textos sobre Cuidados Paliativos e tanatologia
                                                     http://www.ufpel.tche.br/medicina/bioetica/cuidadospaliativosetanatologia.pdf

AS ORIGENS DA MEDICINA PALIATIVA *
                                                     Por: Derek Doyle, Geoffrey W. C. Hanks e Neil MacDonald


Presumivelmente, o homem tem tentado aliviar o sofrimento do seu semelhante, desde o seu aparecimento na terra. a história dos hospices está bem documentada a partir da Idade Média, seguindo-se a sua evolução no final do século 19 até as últimas décadas do presente século, quando ocorreu a sua proliferação a nível mundial. as origens da Medicina Paliativa como uma disciplina digna de ser praticada, estudada e pesquisada são mais recentes, alcançando apenas anos.
Ao final do século 19 e nas primeiras décadas do século 20, o que mais podia fazer um médico senão exercer uma medicina paliativa? Por mais que ele desejasse, haviam muito poucas doenças passíveis de serem submetidas à cirurgia curativa, a maioria dos processos mórbidos curáveis são as infecções. Os nossos antepassados não dispunham de antibióticos, e mesmo então, toda a habilidade que possuíam era canalizada para o alívio e a paliação.
Então as coisas passaram a mudar. Os avanços da anestesia propiciaram avanços mais ousados da cirurgia radical.  Os antibióticos surgiram em cena para combater as infecções mais comuns e, ao menos no mundo ocidental, reduziram a sua mortalidade. infelizmente isso não ocorre em muitas outras partes do mundo. Avanços, descobertas e progressos ocorreram em todos os campos da medicina – radiologia, medicina nuclear, imunologia, radioterapia, quimioterapia do câncer … a lista é interminável. As novas gerações de médicos deixaram a escola de medicina sabendo que eles jamais veriam mortes pela difteria, varíola, poliomielite, mas seriam capazes de enfrentar com facilidade as infecções mais sérias em casa de seus pacientes, bem assim como poderiam esperar confiantes em alcançar a cura de alguns doentes de câncer.
Nós temos toda a razão de nos orgulhar das descobertas médicas e avanços ocorridos na segunda metade deste século. Nós temos à nossa disposição, procedimentos de investigação jamais sonhados há 50 anos atrás, uma abrangente farmacopéia contendo apenas algumas das drogas então usadas, e um aglomerado de novas especialidades médicas refletindo estes avanços. Enquanto tudo isso acontecia, mudanças sutis estavam ocorrendo no pensamento médico e atitudes. e também na educação médica.
Imperceptivelmente os médicos começaram a mudar o objetivo, passando do cuidado paliativo para a cura absoluta. ninguém lhes ensinou ou lhes falou a respeito, mas olhando-se para trás, a mudança de atitude e de aproximação começou ao redor do início da era dos antibióticos. Pela primeira vez, a cura pareceu estar próxima em doenças até então caracterizadas por elevado índice de mortalidade. Investigações e tecnologias altamente sofisticadas não só trouxe uma maior precisão para os nossos diagnósticos,
mas aumentaram enormemente o nosso conhecimento sobre o curso natural de alguns processos mórbidos levando-nos a pensar, acertadamente, que o diagnóstico precoce – em particular no câncer – poderia aumentar as chances de cura. a crescente base “científica” da moderna medicina agradou a uma profissão que, certo ou errado, considerava-se como “científica”.
Insidiosamente, imperceptivelmente, os médicos passaram a encarar-se a si mesmos como diagnosticistas e terapeutas (sejam cirúrgicos, farmacológicos ou de  radiação). os hospitais passaram a ser considerados como lugar de investigação, tratamento e alta precoce para o domicílio. aqueles que não podiam ser curados, ou ao menos colocados em estado de remissão, eram freqüentemente considerados indignos de receber atenção médica altamente qualificada. Àqueles que estavam à morte dava-se a mais baixa prioridade médica, e a morte deixou de ser considerada um fato da vida como sempre o fora, mas uma derrota médica, ou
pior ainda, um embaraço estatístico.
Seria uma clamorosa injustiça lançar toda a culpa nos médicos, deixando de considerar as mudanças paralelas ocorridas na educação médica. Mais uma vez as mudanças foram sutis e não pareceram ser insignificantes. O currículo já muito sobrecarregado foi podado aqui, acrescentado ali, para acomodar detalhes dos avanços acima referidos de um conhecimento científico sempre crescente. detalhes mais “softs” como habilidade em comunicação, ética, aspectos psicológicos da medicina, etc, receberam tempo
menor, e foram relegados para níveis de baixa prioridade, ou completamente omitidos.
Até poucos anos atrás, os jovens médicos saiam das escolas de medicina com uma base de conhecimento abrangente e com quase inalcançáveis expectativas profissionais sobre o que eles poderiam fazer e oferecer, e uma temerária escassez de habilidades e de atitudes essenciais para o exercício humano da medicina. As coisas estão mudando.  Como muitas coisas parecem óbvias quando as olhamos retrospectivamente enquanto isto estava acontecendo – e não nos esqueçamos da importância e o impacto do real desenvolvimento da medicina – uma intraqüilidade a respeito das mudanças manifestava-se em muitos, em diversos escalões da vida, pois este problema “médico” era apenas parte de uma grande revolução
social. alguns médicos tornaram-se insatisfeitos e procuraram mudar a situação. as enfermeiras, que por um momento mal notaram ter sido transformadas em cúmplices de regimes de cuidados altamente tecnificados e científicos, o que muito lhes agradava, começaram também a ficar incomodadas. Notavelmente relutantes como a maioria dos pacientes em queixar-se ou hesitantes emrelatar a respeito da qualidade do atendimento recebido, algumas confessavam agora, que elas perceberam que um grupo particular de pacientes, aqueles em processo de morrer, recebia um atendimento aquém do ótimo. Os estudos confirmaram que o controle da

dor era inadequado, os sintomas não eram aliviados, os temores não eram aplacados, as necessidades espirituais não eram reconhecidas, e as visitas domiciliares pelos médicos tornavam-se menos freqüentes. estudo após estudo em hospital e na comunidade, realizados em diversos países apontaram para o mesmo resultado – os em processo de morte formam um grupo negligenciado e em desvantagem dentro dos modernos sistemas de cuidados de saúde.
Aqueles mais capazes de introduzir as mudanças são os médicos, já alertados e perturbados, e agora cônscios da intranqüilidade das enfermeiras e da insatisfação dos pacientes. os médicos viram claramente que cuidados melhores aos pacientes terminais não significa uma volta aos “tempos antigos”, nem qualquer rejeição dos avanços médicos científicos, mas sim uma saudável união entre ambos. se eles tivessem usado o jargão médico, provavelmente eles teriam dito “Ciência e compaixão não são antagonistas – eles são simbióticos”. e assim o “cuidado hospice” foi aplicado ao paciente terminal, cuidado que embora seja holístico não deixa de ser científico. Os anos passaram e com eles veio a compreensão que estes pacientes precisam e merecem esta qualidade de cuidado não só no fim, mas desde o minuto em que seu médico e os parentes, pesarosamente reconhecem que o tempo é curto.  Eassim nasceu a medicina paliativa.
 
  * oxford textbook of Palliative Medicine, edited by derek doyle, geoffrey W. C. Hanks and neil Macdonald. oxford university Press, 199 . Chapter 1, introduction (traduzido por Prof. dr. Marco tullio de assis Figueiredo).

Nenhum comentário:

Postar um comentário