C A H E R J

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Capelania Evangélica do Rio de Janeiro

domingo, 18 de setembro de 2011

A ÚLTIMA GRANDE LIÇÃO

A ÚLTIMA GRANDE LIÇÃO*
Por: Mitch Albom
http://www.ufpel.tche.br/medicina/bioetica/cuidadospaliativosetanatologia.pdf


O sentido da vida é um livro baseado nas entrevistas sucessivas de um jornalista com o seu velho professor, portador de esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), durante a fase do processo do morrer.

A Ela é como vela acesa: derrete os nervos e deixa o corpo como uma estalagmite de cera. Geralmente começa nas pernas e vai subindo. A pessoa perde o comando dos músculos das coxas e não agüenta ficar de pé. Perde o comando dos músculos do tronco e não consegue sentar-se ereta. No fim, se continua viva, respira por um tubo introduzido num orifício aberto na garganta; e a alma, perfeitamente alerta, fica aprisionada numa casca inerte, podendo talvez piscar, estalar a língua, como coisa de filme de ficção
científica – a pessoa congelada no próprio corpo. Isso não dura mais de cinco anos, contados do dia em que se contraiu a doença.
Os médicos deram a Morrie mais dois anos. ele sabia que seria menos. Mas o meu velho professor havia tomado uma decisão importante, na qual começara a pensar no dia em que saiu do consultório do médico com uma espada sobre a cabeça. Vou me entregar e sumir, ou aproveitar da melhor maneira o tempo que me resta? – indagou a si mesmo.
Não ia se entregar. não ia se envergonhar de sua morte decretada. decidiu que faria da morte o seu derradeiro projeto, o ponto central de seus dias. Já que todos vão morrer um dia, ele poderia ser de grande valia. Podia ser um campo de pesquisa. um compêndio humano. Estudem-me em meu lento e paciente processo de extinção. Observem o que acontece comigo. Aprendam comigo.
Morrie ia atravessar a ponte entre a vida e a morte e narrar a travessia.
estar morrendo é apenas uma circunstância triste, Mitch. viver infeliz á diferente. Muitas das pessoas que me visitam são infelizes.
Por quê?   Porque a cultura que temos não contribui para que as pessoas estejam satisfeitas com elas mesmas. estamos ensinando coisas erradas. E é preciso ser forte para dizer que, se a cultura não serve, não interessa ficar com ela. Que é melhor criar a sua própria. A maioria das pessoas não consegue fazer isso. são mais infelizes do que eu, mesmo na situação em que estou. Posso estar morrrendo, mas cercado de almas amorosas e dedicadas. Quantos podem dizer o mesmo?
Fiquei impressionado com a completa falta de autocomiseração. Este Morrie que não pode mais dançar, nadar, tomar banho, andar a pé, este Morrie que não pode mais atender à porta, não pode se enxugar depois do banho, nem mesmo se virar na cama – como pode ser tão resignado? eu o vi atrapalhado com o garfo, tentando pegar uma fatia de tomate, ela escapulindo por duas vezes, uma cena patética e, no entanto, tenho de reconhecer que a presença dele transmite uma serenidade mágica.
Perguntei se ele ainda se interessava pelo noticiário.
Claro. acha isso estranho? acha que por estar perto da morte eu deva me desinteressar pelo que se passa no mundo?
Quem sabe.
Ele suspirou fundo e disse: Você pode ter razão. Talvez não devesse me interessar. Afinal, não estarei mais aqui para ver os desfechos. Mas é difícil explicar, Mitch. agora que estou sofrendo, sinto-me mais perto das pessoas que sofrem do que sentia antes. outra noite, vi na televisão pessoas na bósnia correndo nas ruas, levando tiros, morrendo, vítimas inocentes e chorei. sinto a angústia delas como se fosse minha. Não conheço nenhuma delas, mas… como dizer, sou quase… atraído para elas.
Os olhos dele ficaram marejados. Tentei mudar de assunto, ele enxugou o rosto e fez sinal para que eu não ligasse.
Hoje em dia choro muito – disse. – não ligue.
Espantoso, pensei. eu trabalhava com notícias. entrevistei famílias enlutadas. até fui a enterros. nunca chorei. e Morrie, pelo sofrimento de pessoas lá no outro lado do mundo, estava chorando. Será isso o que acontece quando chega o fim? talvez a morte seja a grande equalizadora, o grande evento que consegue finalmente fazer estranhos chorarem por outros”.
“todo mundo vai morrer – repetiu Morrie -, mas ninguém acredita. se acreditássemos, mudaríamos nosso comportamento.de que maneira nos iludimos a respeito da morte – sugeri.isso. Mas há uma abordagem melhor. saber que se vai morrer e preparar-se para receber a morte a qualquer momento. assim é melhor. Assim, podemos ficar mais envolvidos com a vida que vivemos.
Como podemos nos preparar para morrer? – perguntei.
Fazendo como os budistas. No começo de cada dia ter um passarinho pousado no ombro, que pergunta: “É hoje que vou morrer? estou preparado? estou fazendo tudo o que preciso fazer? estou sendo a pessoa que quero ser?virou a cabeça para o ombro, como se o passarinho estivesse lá.
É hoje que vou morrer? repetiu.
Tem havido enorme confusão neste país quanto àquilo que queremos, em face do que precisamos – disse Morrie. Precisamos de alimento, e queremos um sorvete de chocolate. Precisamos ser honestos com nós mesmos. ninguém precisa do último carro esporte, ninguém precisa daquela casa maior.
Essas coisas não trazem satisfação. sabe o que realmente traz satisfação?

o quê?
Oferecer aos outros o que temos para dar.
Parece conversa de escoteiro.
Não falo de dinheiro, Mitch. Falo de tempo útil. de interesse por outros. de contar-lhes histórias. não é tão difícil. abriram aqui perto um centro para a terceira idade. dúzias de idosos vão a ele todos os dias. Qualquer jovem, homem ou mulher, que domine um conhecimento, é convidado a ir lá ensiná-lo. Computação, por exemplo. você vai lá e ensina computação. será recebido de braços abertos. E eles ficam muito agradecidos. É assim que se começa a inspirar respeito, oferecendo alguma coisa que se tem.
Há muitos lugares onde se pode prestar esses serviços. não é preciso ser craque em algum ramo. existe gente solitária em hospitais e abrigos que só almeja companhia. Quem joga baralho com um velhinho solitário adquire um novo respeito por si mesmo.
Porque tornou-se necessário.
Lembra-se do que eu disse a respeito de achar um sentido para a vida? Tomei nota, mas já sei de cor: dedique-se a amar a outros,
dedique-se à sua comunidade, empenhe-se em criar alguma coisa que dê sentido e significado à sua vida.
Notou – acrescentou sorrindo – que não se fala aí de salário?
Mitch, se você está querendo se exibir para pessoas que estão por cima, desista. Faça o que fizer, elas olharão para você com superioridade. e se está querendo se exibir para os que estão por baixo, desista também. eles invejarão você, só isso. Posição não leva a nada. Só um coração aberto permite à pessoa flutuar em igualdade entre os semelhantes.
Fez uma pausa, olhou para mim. – estou morrendo, certo?
Certo.
Por que acha que é tão importante para mim escutar os problemas dos outros? Já não estou carregado de dor e sofrimentos? É claro que estou. Mas doar-me a outros é o que me faz sentir vivo. não é a minha casa nem o meu carro. não é o que o espelho me mostra. Quando dôo o meu tempo a alguém, quando consigo fazer alguém que está triste sorrir, sinto-me quase tão sadio como fui antes.
Faça aquilo que vem do coração. Fazendo, não ficará insatisfeito, não sentirá inveja, não estará aspirando a bens que pertenceram a outros. Pelo contrário, ficará assombrado com o que receberá de volta.
O problema Mitch é não acreditarmos que os seres humanos são parecidos. brancos e negros, católicos e protestantes, homens e mulheres. se olhássemos uns para os outros como iguais, talvez sentíssemos o desejo de nos unirmos, formando uma grande família humana no mundo, e nos dedicarmos a essa família com nos dedicamos à nossa família particular.
Mas quando se está morrendo vê-se quanto isso é verdadeiro. Todos temos o mesmo começo, o nascimento, e o mesmo fim, a morte. Assim, onde ficam as grandes diferenças?
investir na família humana. investir em gente. Formar uma pequena comunidade com aqueles que amamos e que nos amam.

“Perdoe a si mesmo antes de morrer. depois perdoe os outros.”

* de o sentido da vida. Mitch albom. rio de Janeiro, gMt, 1998

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