C A H E R J

C A H E R J
Capelania Evangélica do Rio de Janeiro

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A Espiritualidade na prática do cuidar do usuário do Programa Saúde da Família, com ênfase na educação popular em saúd

A Espiritualidade na prática do cuidar do usuário do Programa Saúde da Família, com ênfase na educação popular em saúde
                                                        Revista APS, v.10, n.1, p. 74-80, jan./jun. 2007     
                                                  http://www.ufjf.br/nates/files/2009/12/Epratica.pdf
                                                                  por: Patricia Serpa da Souza Batista


RESUMO
Este artigo visa abordar a relevância da espiritualidade na prática do cuidar do usuário do Programa Saúde da Família-PSF, enfatizando a educação popular em saúde. O trabalho desenvolvido no PSF é principalmente voltado para ações educativas que promovam saúde e previnam doenças. Desse modo, destaca-se a valorização do indivíduo em sua essência, como um ser que possui necessidades no âmbito biológico, psicológico, social e espiritual que precisam ser atendidas em sua plenitude. A espiritualidade, no trabalho em saúde realizado com enfoque na metodologia da educação popular em saúde, é uma força capaz de auxiliar o indivíduo, a família e a comunidade a superar as  dificuldades da vida, como também as doenças que vivenciam, com otimismo e esperança, proporcionando uma melhor enfrentamento da realidade.
Conclui-se, entre outros aspectos, que a valorização da espiritualidade no cuidar é uma prática que está em construção. Sugere-se a necessidade de que as academias priorizem a temática espiritualidade, com vistas a melhor se prepararem para a prática cotidiana do cuidar.
Palavras-Chave: Espiritualidade; Programa Saúde da Família; Educação em Saúde; Educação da População.


Introdução
O cuidar faz parte da existência humana desde o nascimento à sua finitude, constituindo uma necessidade primordial do homem no processo de ser e de viver. Boff (1999) compreende o cuidar como modo de  ser essencial à pessoa  humana, que precisa

estar presente em tudo, representando não só um instante de atenção, mas uma atitude de
ocupação, de envolvimento com o outro. O cuidar, portanto, é relacional, requerendo do
profissional um agir ético, atencioso para com ser humano que está necessitando de
cuidados, seja na promoção, prevenção ou recuperação da saúde, desenvolvida
principalmente na atenção básica, seja nos cuidados de média e alta complexidade cuja
tecnologia se encontra em franca expansão.
Vivemos um momento histórico de fascínio pela tecnologia e suas descobertas que,
embora estas tenham trazido uma série de  benefícios, têm como efeito adverso o
incremento à desumanização, podendo transformar o ser humano em um simples objeto de
intervenção técnica (BARCHIFONTAINE, 2004). Isso se deve também à presença ainda
marcante de um modelo de saúde voltado para a racionalidade científica, influenciada pelo
paradigma cartesiano de Descartes, que remonta o século XVII. Este paradigma, a que
Capra (2001) denomina de modelo biomédico, se caracteriza por uma visão mecanicista e
fragmentada do corpo humano, em que a doença é vista como um mau funcionamento das
partes dessa máquina que precisa ser consertada pelo médico.
No final do século XVIII, a medicina torna-se anátomo-clínica e a doença passa a
ser considerada categoria central do saber e da prática médica. Dentro da visão
mecanicista, esta é uma medicina do corpo, das lesões e das doenças. Nessa perspectiva, as
doenças se expressam por sinais e sintomas, que são manifestações de lesões e que devem
ser corrigidas por uma terapêutica concreta medicamentosa ou cirúrgica (CAMARGO Jr.,
2003) Camargo Jr. (2003) destaca que a medicina começa a ser considerada como
integrante do campo de poder da sociedade, intervindo em larga escala, o que veio a ser
denominado processo de medicalização social.  Nesse contexto, é pertinente considerar a
luta da corporação médica para conquistar seu campo de saber e prática, como também a
relação com o chamado complexo médico-industrial como eixo de acúmulo de capital.
O autor também enfatiza a racionalidade médica, a da medicina ocidental
contemporânea, também chamada biomedicina,  por ter uma estreita vinculação com as
disciplinas oriundas das ciências biológicas. Desse modo, a biomedicina enfatiza o
biológico em detrimento dos aspectos subjetivos que podem envolver o processo de
adoecimento. Faz parte dessa racionalidade aspectos, tais como processo de fragmentação
do corpo humano com um crescente número de especialidades, ganhos tecnológicos mais avançados, ser voltada para a cura através  da utilização acentuada de medicamentos e
cirurgias, entre outros.
Entretanto, existem situações em que este modelo biomédico influenciado pelo
paradigma cartesiano, com toda sua racionalidade, não se aplica facilmente. Conforme
Capra (2001, p. 91),  “podemos trazer à luz, as limitações do paradigma cartesiano nas
ciências naturais e sociais; essa exposição visa a ajudar  cientistas e não cientistas a
mudarem sua filosofia, a fim de participarem da atual transformação cultural”. Vale
ressaltar que, no campo das pesquisas científicas, por exemplo, se observa haver temáticas
estudadas em áreas do conhecimento como a  filosofia, a psicologia, a sociologia que
incluem a subjetividade humana em toda sua complexidade, e não podem ser resumidas à
operacionalização de variáveis.
 Vale ressaltar que o modelo da biomedicina começou a perder força nos países
desenvolvidos principalmente a partir da segunda metade do século XX, devido ao caráter
fragmentado e ineficiente da assistência à saúde direcionada principalmente ao tratamento
das doenças crônico-degenerativas, como também em decorrência do alto custo envolvido
no processo, gerando grande insatisfação na população. Tal situação contribuiu para a
busca pelas terapias alternativas, a exemplo da homeopatia, acupuntura, florais. Contribuiu
também para o desenvolvimento de estudos envolvendo aspectos sociais e subjetivos que
influenciam no processo de adoecimento e cura, bem como estratégias de saúde integradas
a uma visão religiosa (VASCONCELOS, 2006).  Verifica-se, no campo da saúde coletiva, a emergência de novas abordagens para se
pensar o adoecimento, tais como: a integralidade das ações de saúde, a humanização do
atendimento, a produção do cuidado com vistas à transformação do modelo
tecnoassistencial. Observa-se também uma crescente aceitação da população pela medicina
alternativa, na qual os aspectos psíquicos e físicos são indissociáveis na busca do
restabelecimento do equilíbrio (GUEDES et al., 2006).
Vivenciamos no âmbito da saúde pública brasileira, uma prioridade do governo em
ampliar as ações de saúde por meio da expansão e qualificação da atenção básica através
do desenvolvimento do Programa Saúde da Família – PSF. Este programa é entendido
como uma estratégia de superação da proposição de caráter  centrado na doença,
operacionalizado mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades
básicas. (BRASIL, 2004)

O PSF foi criado em 1994, como estratégia do Ministério da Saúde que prioriza as
ações de promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e da família, do
recém-nascido ao idoso, sadios ou doentes, de forma integral e contínua, cujo objetivo é a
reorganização da prática assistencial em substituição ao modelo tradicional de assistência,
orientado para a cura de doenças e realizado principalmente em hospitais (BRASIL, 2000).
No referido programa, o atendimento é realizado pelos profissionais das Equipes de
Saúde da Família (médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, agentes comunitários
de saúde, dentistas e auxiliares de consultório dentário)  na unidade de saúde ou nos
domicílios. Essa equipe e a população acompanhada criam vínculos de coresponsabilidade, o que facilita a identificação, o atendimento, o acompanhamento dos
agravos à saúde, como também a realização das atividades educativas voltadas à prevenção
de doenças e promoção da saúde. (BRASIL, 2004)
Com relação às ações educativas, ressalta-se a metodologia da educação popular
em saúde que, segundo Moreira e Barreto (2004), se caracteriza como uma construção
coletiva e processual, orientada a partir da observação da realidade e mediatizada por uma
relação dialógica entre o saber científico e o popular, levando à formulação de práticas que
visam à melhoria da qualidade de vida.

continua...

Um comentário:

  1. Nesse contexto, ressalta-se a valorização da espiritualidade no trabalho em saúde
    realizado com enfoque na metodologia da educação popular em saúde, visto que a
    espiritualidade, como refere Vasconcelos (2004), é uma força capaz de auxiliar o
    indivíduo, família e comunidade, a melhor superar as dificuldades da vida, como também
    as doenças que vivenciam, proporcionando um melhor enfrentamento da realidade
    cotidiana.
    Para Boff (2001a, p. 18), a espiritualidade é uma das fontes primordiais de
    inspiração do novo, de esperança e de autotranscendência do ser humano. Segundo o autor,
    na atualidade, “a espiritualidade vem sendo descoberta como dimensão profunda do
    humano, como elemento necessário para o desabrochar pleno de nossa individuação e
    como espaço de paz no meio dos conflitos e desolações sociais e existenciais”.

    ResponderExcluir