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Capelania Evangélica do Rio de Janeiro

sábado, 17 de setembro de 2011

Humanização e os Hospitais Brasileiros: experimentando a construção de novos paradigmas e novas relações entre usuários, trabalhadores e gestores

UMA PUBLICAÇÃO DA Associação Médica de Minas Gerais – AMMG • Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais – CRM-MG

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/revista_medica_mg.pdf


A opção por se tomar a humanização como política pública no SUS
foi motivada pela necessidade para afirmá-la como valor do cuidado e
da gestão em saúde e, portanto, como conceito orientador das práticas
de  saúde.  Para  ampliar  as  experiências  de  humanização  nos  equipamentos  da  rede  SUS,  entre  os  quais  os  hospitais,  foi  criada  em  2003  a
Política Nacional de Humanização (PNH), com o objetivo de deflagrar
movimento político-institucional e social que alterasse os modos de gestão e de cuidado em saúde, ampliando a capacidade da rede SUS produzir mais e melhor saúde aos cidadãos e dignificar o trabalho em saúde.
Para alcançar tal efeito, de imediato, se coloca a questão do “como
fazer”, da questão de método. Como alterar os modos de gerir e de cuidar
instituídos nas organizações de saúde, avaliados como pouco efetivos
para a produção de saúde? Como ultrapassar relações sociais, políticas
e clínicas tão marcadas pelos interesses corporativos e de segmentos sociais e econômicos, que transformam muitas vezes o cuidado em saúde
em atos desprovidos de sentido? Como contornar as relações marcadas
pelo pouco diálogo e pelo autoritarismo imposto pelas desigualdades
nas relações de poder e nas relações entre sujeitos nas práticas de saú-
de? Como restituir aos cidadãos maior autonomia no cuidado de si?

A  Política  Nacional  de Humanização,  longe  de  apresentar  respostas
prontas para estas questões, apresenta um método, ou seja, uma estraté-
gica para enfrentar e lidar com aquilo que tem sido designado “desumanização”. Para reverter a tendência da reprodução de práticas que atentam contra a dignidade do cuidado e da gestão é necessário reverter a
principal força que mantém e reproduz estes problemas: a exclusão. Reverter a exclusão requer a construção de estratégias de inclusão, ou seja,
forçar a passagem de outras perspectivas, abordagens, interesses e necessidades nas relações clínicas e nos processos de gestão do trabalho, permitindo maior incidência e interferência dos sujeitos nestas relações.O modo de fazer inclusivo é o método da Política de Humanização. Humanizar é incluir. Incluir é forçar a produção de novos modos de cuidar, novos modos de organização do trabalho, mais plurais e heterogêneos,  os  quais  se  imaginam mais  potentes  para  a  produção  de saúde e para a dignificação do trabalho.Isto parece tarefa simples, mas não é. Incluir é enfrentar práticas de
poder enraizadas nas relações do campo da saúde que foram criando culturas institucionais, atitudes e comportamentos que tornaram naturais  alguns  efeitos  de  relações  muito  desiguais.  Esta  desigualdade pode significar para os cidadãos a expropriação da autonomia no cuidado de si, como por exemplo, sua exclusão na escolha de tratamentos e a não consideração de suas opções

na escolha de condutas. Para os trabalhadores, isto pode corresponder a experimentação de vivências de trabalho que tornam o trabalhar em saúde uma exigência que extrapola suas condições físicas e subjetivas, fazendo adoecer, comprometendo sua qualidade de vida. Assim, humanizar implica na experimentação de mudanças que apontem para a construção de soluções mais partilhadas, mais coletivas, mais respeitosas. Obviamente a referência ético-política aqui é a base doutrinária do SUS (direito à saúde, eqüidade e a integralidade), considerando-se aquilo que a sociedade tem definido como o que seja desejável e aceitável no campo do cuidado.
Para a melhoria no atendimento e democratização das relações de trabalho – efeitos da humanização – é
necessário, pois, enfrentar as relações desiguais no cuidado na relação usuário/rede social e trabalhador/equipe de saúde, bem como entre trabalhadores e gestores. E assim, a humanização depende do estabelecimento de condições político-institucionais, cujo efeito é o reposicionamento dos sujeitos nas relações clínicas e de trabalho.
A humanização se propõe, então, à criação de novas práticas de saúde, de novos modos de gestão, tarefas inseparáveis da produção de novos sujeitos. Assim, a tarefa da Política Nacional de Humanização é contribuir para a construção de modos de fazer para que o universo da rede SUS, seu enorme contingente de usuários, trabalhadores e trabalhadores investidos da “figura de gestor”, experimente novas possibilidades de manejo das tensões e alegrias do trabalho em saúde, alterando modos de gerir e modos de cuidar. Sua tarefa é tornar homens e mulheres mais capazes de lidar com a heterogeneidade do vivo, de reinventar a vida, criando as condições para a emergência do bem comum. Esta é a aposta ética da humanização da saúde.
A publicação desde volume da Revista Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, nesta perspectiva, é uma iniciativa muito importante, pois abre espaço para a veiculação e análise de experiência de humanização em hospitais universitários. Estes hospitais ocupam posição estratégica no SUS, quer seja por sua potencial capacidade resolutiva e a eficácia que podem agregar na rede de cuidados, quer seja por sua função de formação de trabalhadores da saúde. Experimentar a humanização nestes lugares, por estas razões, é então estratégico.
Os hospitais brasileiros, é necessário reconhecer, há muito se colocaram o problema da humanização da assistência. Desde antes da criação do SUS um conjunto de práticas humanizadoras tiveram curso e com a criação da PNH estas experiências passam a receber novos aportes conceituais e metodológicos, estimulando a capilarização da humanização em praticamente toda rede hospitalar. É possível se afirmar, nesta direção, que boa parte dos hospitais brasileiros tem colocado o tema da humanização como um desafio. E muitos deles tem ido além da interrogação, partindo para a experimentação de dispositivos da PNH.
A experiência de implementação da Humanização nos hospitais tem demonstrado que não há um único caminho a ser trilhado. E não poderia ser diferente: a humanização como valor que orienta práticas de gerir e de cuidar, mas não as molda, pois não haveria como apontar antes o que deve ser feito, senão construir experiências que poderiam indicar caminhos, dar pistas, apontar possibilidades a partir da humanização como valor atinente ao cuidar e ao gerir em saúde.
Dar vazão, fazer conhecer e refletir sobre experiências de humanização em hospitais universitários – tarefa desta publicação – certamente ampliará o acervo de experiências de humanização registradas, bem como contribuirá para o processo de capilarização da humanização em outros estabelecimentos de saúde.

Dário Frederico Pasche
Coordenador da Política Nacional de Humanização/Ministério da Saúde

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